É preciso ser presente

Artista: Moisés Patrício
Local: Casa PretaHub
Data: Set/2020 – em cartaz

É com alegria que escolhemos a série “Aceita?”, de Moisés Patrício, para inaugurar o espaço expositivo da Casa PretaHub. A pergunta, retórica, se apresenta enquanto afirmação de uma conquista coletiva da qual tanto o artista quanto a Casa PretaHub fazem parte.

Ao retratar a sua mão, Moisés Patrício conversa com o público, contesta simbologias diversas, e promove debates entre si e sobre o mundo. Essa que, repetidas vezes, é fotografada, atua criticamente. Nenhum objeto chegou ali por acaso. Em sua palma sobressalta referências que ativam a imaginação, tensionam corpos, promovem debates, reescrevem narrativas. Sua mão, apesar de parada, edifica o artista no presente, como um ser ativo e em movimento. Ele oferecer a escolha, o convite. Aceitar ou não aceitar fica a critério do espectador. Em resposta ao artista, nós dizemos: “Sim, nós aceitamos. Sim, aqui estamos.”

Nesta exposição, incorpora-se o projeto Botão Vermelho, uma ação de desdobramento da série Aceita? que visa pensar a circulação de obras, o processo de democratização delas e a criação de uma rede efetiva de contribuição social. A ação contribuirá com famílias em situação de vulnerabilidade social em decorrência da pandemia da COVID-19. Desta forma, e mais uma vez, Moisés Patrício demonstra a potência política do trabalho artístico e a necessidade do diálogo com o “outro” e com o “todos nós”.

Neste momento, mesmo em meio às incertezas que dominam o presente, desejamos, com esta exposição, projetar junto à Casa PretaHub, caminhos ativos e coletivos para o futuro. E você, aceita? A resposta será individual, mas o compromisso, coletivo.

Alex Tso e Luciara Ribeiro
Curadores

Texto Curatorial

Moisés Patrício – o diálogo no presente

Como dar continuidade aos sonhos neste momento de incertezas, pausas, inconclusões? Como projetar futuros coletivos em um período de distanciamento social?

Foi partindo de questões como essas que, mesmo em meio a pandemia provocada pela COVID-19, tomamos a decisão de fazer esta exposição realidade. Organizá-la a partir da coletividade e parceria foram chaves importantes para o processo que firma os laços entre a Diáspora Galeria e a Casa PretaHub. Ambas instituições surgem de propostas que buscam através de maneira coletiva preencher, protagonizar e transformar espaços da cultura e das artes. Inaugurar esta parceria com uma individual de Moisés Patrício, artista cuja obra é marcada pela poesia do encontro, atribui mais uma camada a esse imenso trabalho. Tanto a Diáspora, a Casa PretaHub e o artista aqui presente, mostram que, ao invés da confabulação servil e subserviente que a história hegemônica tanto trabalhou e trabalha ainda para manter, há outras formas de se fazer existência no mundo, e que nós já estamos de maneira incontornável ocupando os espaços consagrados da arte e projetando suas mudanças.

A obra de Patrício nos convida a pensar o presente como um espaço único, um tempo ativo. Ela nos diz que É preciso ser presente , que é preciso agir. Com a série Aceita? , o artista atualiza constantemente a sua relação com o hoje e com o “todos nós”. Iniciada na plataforma do Instagram, desde 2013, a série foi materializando anseios e se transformando ao longo dos anos, conquistando um lugar nas narrativas das artes e reiterando o lugar de disputa que ela conclama. O projeto desenvolvido é marcado por um processo de coleta de objetos e cenas de lugares pelos quais esses objetos e o artista circularam. Transitando pelas ruas e pelo imaginário, o artista tensiona, em cada fotografia, uma relação entre símbolo e matéria. Através de um olhar apurado, Moisés seleciona os objetos, estende a sua mão, os posiciona no centro de sua palma e os fotógrafa. O gesto, que é oferecido imageticamente como um convite: Aceita?, abre possibilidades para múltiplos diálogos.

Não há como compreender a produção artística de Moisés Patrício sem nos perguntarmos sobre essa questão que dá nome ao projeto: Aceita?. É estratégico que façamos essa pergunta para nós mesmos e para os que estão ao nosso redor. Ainda que o título se conforme em forma de pergunta, é certo dizer que a pergunta, ou realizar essa pergunta, é uma forma de afirmação e de interrogação. É um pedido, mas também um posicionamento. É uma provocação e desejo por respostas. Ou simplesmente, por reflexões sobre o mundo. De maneira retórica, o artista assume um posicionamento e fortalecimento de um movimento que já é, que está presente e que não tem volta.

Tanto pelo ato fotográfico como pelo percurso da história. Aceita?, nos diz sobre imagens marcadas no tempo, mas que requer uma decisão no hoje. O que você aceita e o que você não aceita? Qual o limite da sua ética? A responsabilidade assumida para si nem sempre se limita ao si, e a pandemia do COVID-19 nos fez lembrar disso. Vivemos em um mundo compartilhado, a todo momento, a ação do “eu” gera uma ação no “outro”, e entender como viver juntos se torna uma missão fundamental da existência humana.

Nesse sentido, a obra de Patrícia nos convida a negociar o viver a partir do protagonismo de sua mão. A mão nos remete ao criar, ao construir, projetar e efetivar. A mão é o elemento que o curador e artista Emanoel Araújo anunciou através da A mão afro-brasileira, como aquela que esteve presentes em múltiplas facetas ao longo da história do Brasil. A mão responsável por construir conhecimentos, habilidades e técnicas, por proporcionar experiências, vivências e estéticas visuais. A mão que pensa e age.

Entendendendo o presente como um tempo vivo e as mãos como fazedoras e propositivas. Moisés Patrício, utiliza a sua obra para organizar redes de afeto e colaboração. Com o projeto Botão vermelho, o artista organiza ações que liga a circulação da série Aceita? com a significação do potencial da obra para arrecadar fundos e auxiliar famílias afetadas pelas desigualdades sociais intensificadas pela pandemia da COVID-19.

Com esse trabalho, Moisés Patrício nos convoca a refletir sobre o papel político, coletivo e acessível das artes. Ele se coloca como parte do todo. Ele é um elemento dessa rede, desse grupo, desse mundo. Conviver em coletividade é uma das premissas da vida daqueles que vivem às margens do sistema hegemônico. A união, o apoio e a troca são ao mesmo tempo estratégias de resistência como de entender que a vida só se faz em conjunto.

Pensar em novos processos artísticos, redefinir as origens e as bases de conhecimento deles, é entender que construir caminhos acessíveis para circulação das imagens e de seus valores. E essa é uma ação do presente. Tornar o presente um espaço-tempo de sentido é uma das premissas do trabalho de Moisés Patrício, o que se revela com essa exposição e a sequência de obras selecionadas.

Alex Tso e Luciara Ribeiro.
Curadores.

Texto Crítico

Ọwọ: ruptura e transmutação.

A mão deita no pólen, pois como ele, ela também é involuntariamente transportada para longe com tudo que contém em si. O pólen enquanto elemento masculino que antecede os óvulos, de certo modo é um ancestral da semente: um presságio de renascimento-conseguir renascer e se fortificar na própria raiz. A ideia do renascimento mesmo com a ruptura acompanha a concepção afro-diaspórica da modernidade.

A subjugação da mão-de-obra afrodescendente aparece como fetiche nas pedras portuguesas e nos serviços de limpeza que à evidenciam como força motriz na construção de uma nação.

O projeto Brasil surge como resultado de corpos estereotipados e marginalizados que desenvolvem uma transcendência própria. Esta ética, estética e existência transformam o lugar a receber o primeiro pelourinho, num território sitiado pelo invisível ainda que marcado pela desigualdade. Bahia – onde a mão que trabalha é a mesma que abençoa. Uma verdade que disputa a vida com o projeto genocida, num movimento de reivindicação da ancestralidade no território do Mar/Kalunga, sinônimo de vida e de morte. O Atlântico que do lado de lá é lamento do lado de cá é agradecimento.

Mami Wata, fascinante e misteriosa na costa do Benin, aqui é Yemanjá dona do mar e das cabeças- o caminho de volta do ancestral. A espiral do caracol Igbin (símbolo de Oxalá) enquanto transmutação é sustentado pela mesma mão trazida a força, e que festeja sua própria vida e resistência todo segundo dia de fevereiro. Sabedoria e paciência com seu próprio processo de conscientização e ancestralização. Entre palha e pipoca, cria-se a possibilidade de cura da história, uma negociação com a morte estrutural. A mudança de chave dessa cura ocupa a possibilidade aberta no diálogo com o destino que habita 16 conchas do outro lado do oceano, aqui esta também é sua morada – acomodadas num tabuleiro de cestaria, o merindilogun está entre os pés e o caminho.

Um oráculo protegido com as contas de seu dono, aquele que através das mãos dialoga com o invisível, Moisés Patrício, também o artista. Aquele que luta por uma existência transcendental e coletiva que se estende para além daqueles por ele iniciados – em especial neste momento para a comunidade que o viu crescer.

Como em outros momentos as mãos que produzem as pedras portuguesas e realizam os serviços de limpeza correm risco de vida. Estas vidas importam, são elas que construíram o que aprendemos a chamar de Brasil. O futuro do que nós somos e do que queremos ser está na possibilidade de manutenção destas vidas, tal como as sementes das cabaças que geram recipientes poderosos de força, transmutação e renascimento.

A aquisição das obras que narram a história dessas mãos não é um gesto de caridade, mas uma forma ativa de reformulação de estruturas desiguais que sustentaram até hoje nossa forma de viver em sociedade. Nosso destino coletivo depende de escolhas entre o que se pode aceitar é o que já nos é inaceitável.

 

Ana Beatriz Almeida e Thayná Trindade
0101 art platform

 

Thayná Trindade – Thayná Trindade é assistente curatorial na 0101 Art Platform e na Bienal Internacional de Glasgow 2020/2021 (Escócia) . Membro fundador do laboratório de Estudos Africanos e Ameríndios Geru Maa | UFRJ. Sua pesquisa é focada em arte preta contemporânea e processos curatoriais na diáspora brasileira, a partir de uma perspectiva quilombista e panafricana. Graduanda em História da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ana Beatriz Almeida – Doutoranda pela King’s College. Mestre em História e Estética da Arte pela MAC / USP – Universidade de São Paulo. Co-fundador da plataforma de arte 0101, curadora e artista visual. É professora no Programa de Verão da Black Feminism – Berkley University no Exterior e curadora convidada em Glasgow International 2020 (adiada para 2021 por causa da pandemia de COVID -19).

Texto projeto social

O projeto Botão Vermelho, coordenado por Moisés Patrício, é uma das ações que integra a exposição É preciso ser presente. A ação surgiu como iniciativa solidária que visa, através de doações espontâneas e contribuição de diversos agentes, colaborar com famílias cuja situação social e econômica foram agravadas pela atual crise sanitária.

O projeto destina recursos, como cestas básicas e máscaras de proteção, às famílias do Jardim Elba, Vila Industrial e Favela do Mangue, regiões localizadas na cidade de São Paulo. Até o momento, mais de 100 famílias foram atendidas. Foram distribuídos cerca de 400 cestas básicas, 200 kits de material de limpeza, 600 máscaras de proteção e 300 quilos de frutas, hortaliças e legumes.

Com o desejo de dar continuidade a esta importante ação e ampliar a sua rede de apoio, o projeto Botão Vermelho convida você, visitante da exposição, a colaborar, tanto financeiramente como  na distribuição e logística.

Durante o período da exposição estarão disponíveis estas reproduções da série Aceita?, que poderão ser adquiridas através de doações monetárias voluntárias via QR Code localizado ao lado. O valor arrecadado será revertido em doações de cestas básicas a serem entregues às famílias ao longo dos meses.